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Senhora Polvo

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30
Mar18

A Parábola de Grossman na Era da Ofensa

Senhora Polvo

 

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A quem for dito que David Grossman escreveu um livro sobre uma noite de stand-up a incredulidade será imediata. O autor de livros como “To the End of the Land” (2008) e “See Under: Love” (1986) não é um comediante, e os seus livros certamente também não. “Um Cavalo Entra num Bar” é a mais recente obra de David Grossman, habilmente traduzida por Jessica Cohen em semelhança a trabalhos anteriores do escritor, que em 2017 ganhou o Prémio Man Booker Internacional.

O escritor israelense surpreende mais uma vez. Mestre da forma e da estrutura, de tal maneira que as transcende, entrega-nos “A Horse Walks Into a Bar” que gira à volta de uma noite de stand-up. Mas desenganem-se, não é uma comédia. O desajeitado e repelente, Dovaleh Greenstein, comanda a noite num pequeno e duvidoso clube de comédia na cidade de Natania, em Israel. Dovaleh, que tem pouco de herói e muito menos de comediante, abusa do seu público, para além dos limites da comédia. Testa a paciência dos que vieram à procura de entretenimento e ofende os restantes.

No início da noite, o dono do clube avisa Dovaleh que “se mantenha longe da política”. E, durante a maior parte do tempo, ele obedece. No entanto, as piadas más desenvolvem-se em algo mais. Dovaleh, de aspeto doente e magro, mergulha num discurso autobiográfico e crónico sobre a sua infância e, principalmente, sobre os seus pais. Sentimos que estamos a nadar num mar controverso, ora subimos para respirar uma distração na forma de uma piada fraca, ora somos engolidos por uma onda negra e gelada.

Toda a obra é-nos dada em discurso indireto, o discurso de Dovaleh, tal como foi ouvido pelos espectadores, em especial pelo reformado juiz Avishai Lazar, cuja presença Dovaleh tinha requisitado. A obra é um entrançado de tragédia e comédia, que através da personagem representativa de Dovaleh, incide sobre as pessoas e a sociedade em Israel.

“Como é que ele conseguiu, penso comigo próprio, sim, como é que num tempo tão curto conseguiu transformar a sua assistência, e eu próprio até certo ponto, em familiares da sua alma? E em seus reféns?”, pensa o juiz. Ele tanto leitor quanto nós, e nós, tanto espectadores quanto ele, questionamo-nos coletivamente sobre a atração de Dovaleh que exprime tamanha mágoa em imensuráveis ataques de boa disposição.

Apesar de ser uma leitura rápida, não se pode chamar de fácil. É Grossman no seu melhor, conhecedor íntimo do poder da linguagem e incrível ilusionista do romance. Uma noite destas, sentem-se com o livro, e fiquem a ouvir Dovaleh até ao fim. É uma noite bestial, Natania.

 

Até à próxima,

Senhora Polvo

 

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