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Senhora Polvo

Sem mãos a medir para tantos livros, até com tentáculos. A Senhora Polvo viaja pelo Atlântico para vos trazer os seus livros preferidos, desde lançamentos dos Estados Unidos às edições na Europa.

13
Abr18

Com Imortalidade Vem Grande Apatia

Senhora Polvo

 

“My greatest wish for humanity is not for peace or comfort or joy. It is that we all still die a little inside every time we witness the death of another. For only the pain of empathy will keep us human. There’s no version of God that can help us if we ever lose that.”

 

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AVALIAÇÃO

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     “Scythe”, a mais recente obra de fantasia de Neal Shusterman, editada pela gigante Simon & Schuster, é uma fábula de um mundo sem morte. Sem morte salvo aquelas levadas a cabo por qualquer “Scythe”. A obra sombria de ficção científica e fantasia, repleta de humor negro e uma body count interminável explora um futuro utópico governado por uma omnipresente e senciente inteligência artificial, a "Thunderhead", após a eliminação completa da morte e doença, e a providência assegurada de todas as necessidades para os cidadãos do mundo.

     A única parte da sociedade que a "Thunderhead" não controla, nem deve, é a “Scythedom”, e qualquer assunto relacionado com “Scythes”. Estes chamados "Ceifadores" estão sancionados para realizar mortes permanentes. No livro é usado o termo “ceifar”, ao invés de matar, e apesar de se assemelhar a um eufemismo é uma distinção intrigante existente neste sistema. Para esta sociedade “ceifar” é um dever humano, ao mesmo tempo um privilégio e um fardo, que cabe a uma elite profissional e portadora de uma integridade e ética superior.

     A nossa história acompanha Citra Terranova e Rowan Damisch, dois adolescentes selecionados para serem aprendizes da “arte de ceifar” pelo Honroso “Scythe” Faraday. A narrativa dual e rival entre os dois aprendizes explora organicamente a construção do mundo, a política inerente à “Scythedom” e questões filosóficas e existencialistas sobre a sociedade e a moralidade.

     O que nos faz humanos? É uma pergunta que assombra os melhores e os piores, neste futuro ideal e seguro. Sem medo, insegurança, perigo ou morte, a humanidade aparentemente arrasta-se de século para século, rejuvenescendo os seus corpos para aparências mais jovens por capricho. Uma passagem particularmente interessante é uma entrada do diário da Honrosa “Scythe” Curie.

“If you’ve ever studied mortal age cartoons, you’ll remember this one. A coyote was always plotting the demise of a smirking long-necked bird. The coyote never succeeded; instead, his plans always backfired. He would blow up, or get shot, or splat from a ridiculous height.

And it was funny.

Because no matter how deadly his failure, he was always back in the next scene, as if there were a revival center just beyond the edge of the animation cell.

I’ve seen human foibles that have resulted in temporary maiming or momentary loss of life. People stumble into manholes, are hit by falling objects, trip into the paths of speeding vehicles.

And when it happens, people laugh, because no matter how gruesome the event, that person, just like the coyote, will be back in a day or two, as good as new, and no worse—or wiser—for the wear.

Immortality has turned us all into cartoons.” 

     A “Scythedom” é regida por 10 mandamentos, que podem ser tão vagamente interpretados como qualquer texto religioso. Isto permite que as “Scythes” possam escolher como viver, com qualquer nível de restrição que assim decidirem, e que lhes seja permitido ditar a filosofia que empregam nas suas ceifas. Uma “Nova Ordem” dita que as “Scythes” podem, e devem, apreciar o seu dever, ou seja, apreciar a arte de ceifar. Enquanto uma “Velha Guarda” defende a ética e integridade no cumprimento do dever.

     É esta batalha que define a narrativa, alimentada ferozmente pelo conflito moral da sociedade enquanto humanidade que perde as suas características principais, como o amor, a paixão, o medo, a morte, e consequentemente, a vida. “Without the threat of suffering, we can’t experience true joy.”, declara uma “Scythe”, um sentimento partilhado por grande parte da humanidade.

     Segundo esta premissa, e um estilo de escrita incisivo e cinematográfico, Neal Shusterman entrega-nos uma obra cativante e negra, que nos prepara para o segundo volume, “Thunderhead”, com uma reviravolta deliciosa. Para já, a Senhora Polvo deixa-vos uma passagem para vos fazer pensar, e talvez pegar no livro.

“Everyone is guilty of something, and everyone still harbors a memory of childhood innocence, no matter how many layers of life wrap around it. Humanity is innocent; humanity is guilty, and both states are undeniably true.”

 

Até à próxima,
Senhora Polvo

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Sem mãos a medir para tantos livros, até com tentáculos. A Senhora Polvo viaja pelo Atlântico para vos trazer os seus livros preferidos, desde lançamentos nos Estados Unidos às edições na Europa. Vai aos nossos mercados favoritos ler o mais fresquinho e comentar aqui com vocês. Acompanhá-la por mil e um mundos está à distância de um clique.

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